Trabalho remoto em plataformas digitais é marcado por precarização e baixa remuneração, aponta relatório global
Estudo internacional mostra que empresas pagam abaixo do salário mínimo, negligenciam segurança e dificultam organização de trabalhadores

O trabalho remoto mediado por plataformas digitais está em expansão no mundo, mas ocorre em condições precárias e desreguladas, segundo revela o Relatório Fairwork Cloudwork Ratings 2025, lançado neste mês por uma rede de pesquisadores coordenada pelas universidades de Oxford, no Reino Unido, e WZB Berlin, na Alemanha.
Mais de 60% dos trabalhadores remotos têm nas plataformas sua principal fonte de renda, dedicando tempo e esforço a tarefas como alimentação de dados para inteligência artificial, criação de conteúdo, consultorias jurídicas e contábeis. No entanto, enfrentam atrasos ou ausência de pagamentos, remuneração inferior ao salário mínimo e ausência de proteção social.
A pesquisa analisou 16 das principais plataformas de trabalho em nuvem e entrevistou cerca de 750 trabalhadores em 100 países. O resultado foi um ranking alarmante, com média de 3,5 pontos de um total de 10. Plataformas como Amazon Mechanical Turk, Freelancer e Microworkers não pontuaram. A Upwork obteve um ponto, e a Fiverr e Remotasks, dois.
Um dos pontos mais críticos do estudo é a forma de pagamento: um em cada três entrevistados afirmou ter recebido em cartões-presente, que precisaram ser revendidos online para converter em dinheiro. “Gostaria de poder receber meu dinheiro em minha conta bancária em vez de cartões-presente”, relatou um trabalhador da Nigéria.
Embora o setor tenha movimentado US$ 557 bilhões em 2024, com previsão de chegar a US$ 647 bilhões neste ano, apenas quatro das 16 plataformas conseguiram comprovar o pagamento de ao menos o salário mínimo local após descontos. No Brasil, onde o salário mínimo é de R$ 1.518, a situação não é diferente.
“Encontramos evidências claras de pagamento adequado apenas em quatro plataformas”, explicou o coordenador do relatório, Jonas Valente, pesquisador brasileiro no Oxford Internet Institute.
Além da baixa remuneração, as cláusulas contratuais são vagas e pouco transparentes, prejudicando a compreensão dos trabalhadores, especialmente aqueles que não dominam o inglês. “As regras não estão claras, o que pode resultar em suspensão ou desligamento arbitrário das plataformas”, alerta Valente.
Problemas de saúde também são ignorados pelas empresas. Uma trabalhadora peruana, formada em ciências sociais, desenvolveu lesões na retina devido às longas jornadas diante da tela, foi submetida a cirurgia e acabou desligada sem qualquer assistência, mesmo trabalhando até nove horas por dia.
O relatório ressalta que, por serem trabalhadores dispersos e atuando de casa, a fiscalização é limitada, o que exige regulação nacional e internacional. Estima-se que o setor empregue cerca de 400 milhões de pessoas, segundo o Banco Mundial.
“Governos e órgãos reguladores precisam agir com urgência para garantir direitos a esses trabalhadores”, afirmou Valente. “Sem ação, milhões continuarão presos a empregos digitais inseguros e mal remunerados.”
No Brasil, o Ministério Público do Trabalho (MPT) reforça a preocupação. O procurador Rodrigo Castilho, gerente do Projeto Plataformas Digitais, alerta para o descumprimento de leis trabalhistas, como violação da jornada legal, baixa remuneração e falta de direito à sindicalização.
“Esses trabalhadores são tratados como autônomos, o que na prática significa negar direitos como férias, 13º salário e descanso remunerado”, afirmou Castilho. “O inaceitável é que, enquanto aguardamos a regulação, não sejam contemplados com nenhum direito.”
O relatório também critica o Projeto de Lei 12/24, em tramitação no Brasil, por contemplar apenas motoristas de transporte privado, deixando de fora outros trabalhadores em plataformas digitais.
Desde 2023, o projeto Fairwork tem oferecido suporte às plataformas para que se adequem a padrões mínimos de trabalho justo. Foram registradas 56 melhorias, como atualização de contratos e maior transparência, mas limitadas a poucas empresas.
Das 16 plataformas investigadas este ano, apenas ComeUp, Scale/Remotasks e Translated responderam à pesquisa, reconhecendo os problemas e prometendo melhorias. As demais não se pronunciaram.