Tradição e espiritualidade impulsionam busca por banhos com ervas no fim de ano

Uso de plantas em rituais e cuidados pessoais cresce no Rio; especialistas alertam para consumo consciente e riscos de intoxicação

Com o fim de ano, a procura por ervas para banhos energéticos e espirituais cresce no Rio de Janeiro, movimentando feiras e pontos de venda de Norte a Sul da cidade. Em meio ao aroma das plantas e ao saber ancestral dos erveiros, o uso das folhas vai além da tradição religiosa, ganhando espaço como forma de bem-estar e conexão espiritual.

Na Rua da Carioca, no centro da capital fluminense, o erveiro José Adaílton de Souza Ferreira expõe ramos de macassá, levante, manjericão, arruda, alfazema, alecrim e sálvia, ervas populares para banhos de “descarrego”, contra energias negativas. “Tem gente que chega carregada, toma um banho de abre-caminho e melhora muito”, relata.

A tradição tem raízes profundas nas religiões de matriz africana e indígenas, onde o uso das ervas é sagrado. No candomblé, por exemplo, as folhas — chamadas ewés — são carregadas de axé, a força vital da natureza. “Sem folha, não tem orixá”, ensina Mãe Nilce de Iansã, do terreiro Ilê Omolu Oxum, na Baixada Fluminense.

Ela destaca que as ervas são usadas em banhos, chás e até na alimentação, sempre com fins terapêuticos e espirituais. Segundo Mãe Nilce, cada prescrição depende da necessidade individual, mas recomenda: “Tome um banho de mar, rio ou cachoeira. É energia pura.”

Do ponto de vista científico, rituais com plantas não têm comprovação de cura, mas promovem bem-estar, afirma Aline Saavedra, doutora em biologia vegetal da Uerj. “A sensação de proteção muda a química cerebral e pode trazer benefícios reais”, explica.

Entretanto, o uso oral exige precaução. “Alguns chás podem ser tóxicos se usados por muito tempo”, alerta a especialista. Ela também recomenda atenção com a procedência das plantas e sugere o uso das ervas conhecidas da culinária, como manjericão, alecrim e orégano, por serem mais seguras.

No Bairro de Fátima, o erveiro João cultiva suas ervas sem agrotóxicos, mas evita prescrever chás ou tratamentos. “Meu negócio é espiritual. Só vendo para quem já sabe o que quer”, afirma. Para ele, o ofício de erveiro está ligado à sua identidade, fé e origem racial.

Mesmo com riscos e limitações, o conhecimento ancestral e os rituais com ervas seguem fortes, especialmente no fim de ano, como forma de renovação e equilíbrio entre corpo, mente e espírito.

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